sexta-feira, 29 de abril de 2011

O jantar na casa da Dete

Afinal, o que é ser gafanhoto?

Estava pensando numa frase para abrir o comentário sobre o jantar que ocorreu na casa da Dete. Perguntava-me, então, onde está a felicidade? É pacífica a ideia que a felicidade não pode ser obtida diretamente, pois, se a procurarmos, deliberadamente, quando a encontrarmos, não saberemos reconhecê-la. Esse pensamento começava a fazer sentido na medida em que relembrava os acontecimentos daquele jantar.

Era para ser apenas um jantar. Além do manjar, da companhia, estava ali algo que surgiu da brisa que a reunião dos gafanhotos propaga: estava ali a felicidade.

Thales Felipe, o mediador.

Se antes via-se o Thales Felipe como um estudioso, observador, sem se envolver ativamente nos debates, nessa reunião, esse estereótipo dissolveu-se. "Tudo que é sólido desmancha no ar", já dizia o velho Karl Marx. Ali se apresentava um Felipe mediador, falante, seguro, o fiel do debate, da palavra sensata.

Quem protege quem?

Yone, a queridinha do pai;
Isabel, a queridinha da mãe;
Marilu, a queridinha da vó;
Dete, a princesinha do tio Tinzo.

E, quanto aos outros? Fica a resposta para a próxima festa.

Declamações

João Alberto, o mestre das declamações, vai fazendo escola. Além do discípulo Rui, agora vai se ensaiando a discípula Scheila, que por sinal já começou bem, com a poesia Imagens. E a Clau leu a poesia Meu Pai, sobre um senhor de pulso duro e coração mole. E o próprio mestre, o João, declamou O Dia da Partilha, uma resposta à pergunta qual é o bem maior de uma partilha? Pode-se ver que nunca é apenas um jantar. Delinea-se, assim, a resposta ao que é ser gafanhoto.

Mas não ficou por aí, ainda houve espaço para debates filosóficos. Mortos podem não falar, mas inspiram. Esses debates, era um dos prazeres do Dr. Killer. Maquiavel, filósofo e político do século XVI, foi criticado por uns e elogiado por outros, refletindo sua fama secular por seus escritos, enquanto saboreávamos o tortei e degustávamos o vinho.

Os protagonistas: Dete, Jonas, Scheila, Felipe, Miriam, Maria Vitória, Yone, Isabel, Marilu, João, Priscila, Josi, João Pedro, Clau e Charles.

O que é ser gafanhoto?

(1) Princípio da paciência. Se alguém declama ou discursa, um gafanhoto autêntico ouve e pensa: para cada palavra a mais, uma cerveja a mais, portanto, discurse à vontade.

(2) Princípio da eficácia. Ser gafanhoto é saber o lugar certo e a hora exata para atacar. Não basta encontrar a mina, é preciso verificar se o alvo está no ponto para a colheita.

(3) Princípio da unidade. Um gafanhoto isolado não existe, se transforma em gafanhoto quando se agrupa aos seus pares. Ou seja, não é um simples ato de adição, já que as partes isoladas não existem. O que existe, quando um gafanhoto está isolado, é a consciência que pertence ao clã e isso o torna livre, por um lado, e dependente, por outro. Livre, no sentido de seguir seu rumo sem interferências, dependente, por saber que é gafanhoto na medida exata de sua integração ao clã.

Finalizando, o Jonas estava emotivo e teceu comentários sobre o caminho de amadurecimento da relação entre irmãos e irmãs. Assinamos embaixo em tudo o que ele falou, e aproveitamos a deixa para confirmar a reunião de 25 de junho de 2011. A Isabel, a última romântica, resgatou algumas imagens de nossa mãe, já que ela era a sua queridinha. Talvez ela, a Enoema, se espíritos pensam, tivesse pensado naquele momento: Isabel, uma filha para chamar de querida.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Tablete de margarina: ficção ou realidade?

O passado pode ser uma prisão, mas pode ser também uma fonte inesgotável de histórias não escritas. Prisão, quando lembranças marcantes, mal resolvidas, ofuscam nossos horizontes. Fonte inesgotável de histórias, quando nossas construções mentais se localizam na tênue linha que funde as lembranças com a ficção.

Cinco de fevereiro de 2011. Os irmãos: Yone, Marilu, Dete, Charles, Rute, João e Jonas. Hélio, Preto, namorada do Preto e  a Clau. Comem, bebem, contam histórias e riem. Ninguém mente, ninguém declama, uns inventam... A maioria bebe vinho, alguns cerveja, porém, gelada. E a conversa se estende até as três. Percebe-se que o episódio Mazembe não foi superado. E como diz o Preto: "Para superar, só falando".

O folclórico Prefeito de SJO, Aldino Stédile, domina parte da conversa. A Rute pergunta em que período ele administrou a cidade. Ninguém sabe. O Hélio, saudosista, diz que foi o melhor prefeito que a cidade já teve. Ninguém é louco de duvidar. O certo é que as velhas piadas divertem. A piada é velha, mas a ocasião é sempre nova.

A Rute disse que o João inventou. A Yone, que foi a Isabel. O João confirma que foi verdade,  e a Isabel não disse nada, não estava no jantar. Os outros tomavam vinho e riam sem parar.

Naquele tempo, a vida corria solta na cidadezinha, mas os ventos de fartura estavam muito longe lá de casa. Razão que fez a Yone ralhar com sua irmã mais nova.
- Rute, passe uma camada de margarina no pão e chega, os outros (que chegarem primeiro) também querem provar.
A Rute, sem dar ouvidos, continuou calmamente aumentando aquela camada, dificultando saber se era pão com margarina ou o contrário.
- Agora coma esse tablete até ver o fim -  esbravejou enervada a Yone.
A Rute, agora dando ouvidos, passou a comer o tablete de margarina, sem misturas. Mas logo exclamou:
- Estou cansada.  João, coma o resto, para não assanhar as bichas - implorou.

Moral da história:

Marque a melhor opção:

a) essa história de mandar comer tudo não funciona, quando se tem um irmão chamado João que pode ajudar;

b) os mais novos sempre levam vantagem, até nos castigos;

c) a Yone não é aquela irmãzinha meiga que imaginávamos;

d) é pura invenção do João.


O Jonas na caserna.

- Soldado Jonas, tire seu capacete!
- Obrigado Senhor, mas estou bem assim.
- Soldado Jonas, tire já seu capacete, isso é uma ordem!
- Senhor, toma (jogando o capacete em direção ao superior), pegue esse capacete e enfie onde quiser!
- Soldado Jonas, você será punido por indisciplina, novamente.

Dias depois, o Jonas limpava a bicicleta.

- Soldado Jonas, você foi escalado para cortar grama, agora.
- Sim Senhor, mas antes vou terminar de limpar a bicicleta.
- Soldado Jonas, agora!
- Sim Senhor, é só terminar isso aqui.
- Soldado Jonas, você não vai mais cortar grama, vai para a solitária.

Outro dia, o Jonas fazia ronda. Manuseava absorto sua arma que, por descuido, disparou.

- Soldado Jonas, ouvi um tiro por aqui, foi você?
- Sim Senhor, fui eu.
- Atirou em quem, Soldado?
- Num vulto, Senhor. Eu falei alto lá e o vulto não parou, então atirei.
- Soldado Jonas, vou recomendar uma medalha por sua bravura.
- Dispenso, Senhor. Só quero poder limpar minha bicicleta, em paz (e completou baixinho: "seu palhaço").

Moral da história:

Um rebelde pode ser um revolucionário, mas nunca um militar. (Os militares não sabem limpar bicicleta direito hehehe).

Enquanto isso, do outro lado da cidade, para o próximo episódio:

E a Rute saiu de carona com o Jonas, de moto. Há-de-vir.



sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Catarina, passa a cueca, velha, rasgada

Turbulências no ar. É força de expressão. Na verdade, no espaço em que navegamos o que há é o vácuo, apenas. Nada de ar, nada de gravidade, exceto a nave, eu, meu pai, o 14, e outros fantasmas. Os robôs realizam o trabalho de rotina: a manutenção preventiva automática. Isso gera um certo desconforto, como se algo estivesse errado, mesmo para nós, acostumados.

Viajamos para Andrômeda, a galáxia que está em rota de colisão com a Via Láctea, se aproximam numa velocidade de 480.000 km/h, algo em torno de 100 milhões de anos, e então não restará vestígios nenhum do que houve antes. Será como se a Terra e o Homem nunca tivessem existido.  No final, tudo acaba. Vamos para uma mera reunião informal com Julio Verne. Buscamos sua palavra final sobre a possibilidade ou não de se fazer a terra girar ao contrário. Eu presumo que não, mas meu pai e o 14 não estão totalmente convencidos (os fantasmas não opinaram, óbvio, são fantasmas).

Enquanto escrevo essas memórias, interrompendo por um instante, leio uma notícia que altera a configuração de nosso sistema solar. Plutão foi rebaixado. Se liguem, não façam associações impertinentes, estamos aqui falando do rebaixamento de Plutão para planeta anão. Ocorre-me agora, aquele ensinamento que diz: os quatro profetas maiores são três: Isaías e Jeremias. Os 9 planetas do sistema solar, na verdade, são 8. Plutão, dizem os cientistas, não gira em torno de Caronte, seu satélite, nem este em torno daquele. Ambos realizam a translação em torno de um eixo imaginário. E o conceito de planeta não se enquadra para essa dupla.


Em nossa família há vários tipos. Médicos? Nenhum. Fisicos? Nenhum. Filósofos? Nenhum. Palhaços? Vários. Dentre estes, o palhaço-mor era meu pai. Às vezes, saía com umas gracinhas, tipo: - Está demorando essa pintura? - Ué, que pintura pai? - Essa do teu cabelo.

Uns até se esforçam para falar bem da velhice, romantizam, mas a juventude, que me perdoem, tem muito mais graça. Meu pai parece que encontrou um jeito de se conduzir durante essa fase da vida. Um dia me confidenciou que o segredo era não levar mais nada a serio. Acho até que driblou bem.

Ele e a Ceni costumavam brindar seus convivas com brincadeiras, algumas surradas, é verdade, mas outras até que engraçadas.

Catarina, dizia ele, com aquele seu sorriso, passa a cueca, velha, rasgada. Ao que a Ceni, não menos brincalhona, respondia:

Aristeu, alcance-me esse pau, velho, podre.

domingo, 9 de janeiro de 2011

Era uma vez num campinho de serragem


Das mais remotas lembranças da minha infância, que de certa forma contribuíram para moldar os meus traços psicológicos, resgato um dia de brincadeiras no campinho de serragem. As peladas começavam sempre ao cair da tarde e se estendiam até o escurecer. Era um campinho de serragem, ligeiramente inclinado, de tal sorte que a vantagem maior nem era ser a melhor equipe, mas ganhar o par-ou-ímpar, pois o vencedor escolheria a parte de cima, é claro, e já largava em vantagem. Raramente eu jogava naquelas peladas, ficava brincando nos arredores com os que ficavam de fora das escolhas. Talvez por ser muito pequeno, mas também por não pertencer aos mais iguais. Mas isso não importava, eu era feliz. Assim foi também naquele dia. Ficamos ali nas brincadeiras de meninos de idade entre 9 e 10 anos, simulávamos brigas, empurrões. De saldo, restaram camisas rasgadas, calções pendurados e arranhões por todo o corpo.

Voltei para casa esfarrapado daquelas brincadeiras. Para muitos, roupas alinhadas e de marca podem significar bastante, para mim, naquele tempo, a felicidade se chamava roupa rasgada. Era sinal de que aquele dia tinha valido a pena. Mas não para meu pai, que me esperava apreensivo. Sondado sobre quem teria feito aquilo em minhas roupas, titubeei. A resposta poderia representar um laço sem tamanho, que nem minha mãe poderia ajudar. Lancei mão de um artifício sorrateiro. O culpado teria sido um rapaz mais velho, que costumava bater nos meninos da serragem. Meu pai quis saber onde morava o fulano, acertaria as contas. Vacilei pela segunda vez, aleguei não saber direito quem era e nem onde morava, já temendo pelo pobre inocente.

Daquele episódio ficaram marcas. Das coisas que considerava inocentes e irrelevantes, para meu pai, poderiam ser graves. Eu não tinha capacidade suficiente para entender isso. A autoridade exercida, naquela medida, impediu que eu relatasse abertamente o ocorrido. O tempo o tornaria mais tolerante, mais compreensivo, e menos autoritário. Talvez o menor fardo sobre seus ombros também tenha ajudado nessa transformação. Hoje, conhecendo os fatos que cercavam o seu cotidiano, daquela época, aos quais se somava a esposa enferma, posso compreender melhor, mas o menino rebelde que se formava não tinha essa capacidade de discernimento. Não era capaz de relativizar, muito menos de contemporizar. O que de fato sabia era que as nicas ou bolinhas de gude, que faziam a felicidade nas tardes descompromissadas da minha infância, enfureciam meu pai, que as jogava pela janela.

A vida longa de meu pai permitiu que eu acompanhasse sua transformação. Sua mente aberta e o autoconhecimento, por certo, possibilitaram essa transformação. Aprendi, então, que a metamorfose ambulante não é uma dádiva que vem dos céus, é um objetivo a ser alcançado. Houve um hiato de relacionamento entre nós. Um dia vou engendrar minha teoria sobre esse tempo, que não foi pouco. Por ora, vou incubando a semente.

A dificuldade acentuada em me submeter a ordens, em que se perceba qualquer resquício de autoritarismo, remonta a esse tempo. Conhecendo a origem, posso melhor entender a mim mesmo. Tudo porque o campinho era de serragem.

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

E por falar em filosofia

Degustávamos um vinho naquele jantar. Arroz, feijão e coisarada, como costumava dizer meu pai, para os pratos acessórios.  A conversa fluiu para a filosofia. Poder, riqueza e arrogância. Lembrei-me então da lenda do xadrez, do livro O Homem que Calculava. Quando o rei, para demonstrar sua gratidão ao súdito que lhe apresentou o tal jogo, fez questão de recompensá-lo, mesmo diante da negativa deste, forçando-o a apresentar um pedido.  Bom, já que Vossa Majestade insiste, pensou o lendário criador do xadrez, faça-se sua vontade. O  rei do alto de sua riqueza julgou o pedido insignificante. Ora, era apenas um grão de trigo para a primeira casa das sessenta e quatro casas do tabuleiro, dois grãos, para a segunda casa, quatro, para a terceira, e assim seguir dobrando até a 64ª casa. Ficaria sabendo, mais tarde, pelo melhor de seus matemáticos, para sua surpresa, que nem mesmo todo o seu reino somado a todos os reinos que conhecia seriam suficientes para pagar o pedido irrisório* que seu súdito lhe apresentara. Mas meu pai falou de Diógenes, O Cínico.

Num daqueles momentos mágicos de inspiração do meu pai, citou o filósofo grego Diógenes de Sínope (412 a.C. - 323 a.C.). Talvez o mais bizarro dos filósofos da antiguidade. Diz-se que seus únicos bens eram um alforje, um bastão e uma tigela, simbolizando o total desapego às coisas do mundo, e que fez de uma pipa sua morada.
Falou então meu pai da existência de um homem chamado Diógenes, que desdenhava os poderosos. Disse que, em certa ocasião, foi abordado por Alexandre, O Grande. Vendo-o maltrapilho, e conhecedor de sua inteligência, perguntou em que poderia ajudá-lo. Como sua presença projetava sombras sobre Diógenes, privando-o dos raios de sol daquele dia, este então falou: "Não me tires o que não podes me dar."

É preciso sonhar para ser feliz. Naquela noite, um tanto por conta do vinho, um tanto por conta da faculdade que tínhamos de divagar sem rumo por assuntos muito além do cotidiano, desatamos a filosofar.

Assim se foi mais uma noite do inverno de 2007, uma noite igual às outras, não fosse o cínico, o pai e suas histórias.

* 2 elevado a 64, menos 1, calcule.

domingo, 8 de julho de 2007

Quem nasceu primeiro?

A pergunta que não quer calar.

Quem nasceu primeiro: o ovo, a galinha ou meu pai?

Essa pergunta está incompleta. O correto é:

Quem nasceu primeiro: o ovo, a galinha, meu pai, Dercy Gonçalves ou minha madrinha Amália?

Ah, e por falar em galinha... essa eu conto depois.

domingo, 4 de março de 2007

Somente a 15 minutos à velocidade da luz

Lua cheia. Céu estrelado. Dia especial para navegar no espaço sideral. Ocorre que meu pai, embalado pelo vinho chileno (chileno? ou seria serrano? que seja.) que degustávamos, esqueceu sua bengala num minúsculo satélite a apenas 270 milhões de km. Tempo para esquentar a água do chimarrão. Seria coisa de 15 minutos, já que navegávamos num projétil a 300.000 km por segundo.

Farofeiro das Galáxias

Viagens imaginárias com os tripulantes em torno da mesa de jantar.