quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

E por falar em filosofia

Degustávamos um vinho naquele jantar. Arroz, feijão e coisarada, como costumava dizer meu pai, para os pratos acessórios.  A conversa fluiu para a filosofia. Poder, riqueza e arrogância. Lembrei-me então da lenda do xadrez, do livro O Homem que Calculava. Quando o rei, para demonstrar sua gratidão ao súdito que lhe apresentou o tal jogo, fez questão de recompensá-lo, mesmo diante da negativa deste, forçando-o a apresentar um pedido.  Bom, já que Vossa Majestade insiste, pensou o lendário criador do xadrez, faça-se sua vontade. O  rei do alto de sua riqueza julgou o pedido insignificante. Ora, era apenas um grão de trigo para a primeira casa das sessenta e quatro casas do tabuleiro, dois grãos, para a segunda casa, quatro, para a terceira, e assim seguir dobrando até a 64ª casa. Ficaria sabendo, mais tarde, pelo melhor de seus matemáticos, para sua surpresa, que nem mesmo todo o seu reino somado a todos os reinos que conhecia seriam suficientes para pagar o pedido irrisório* que seu súdito lhe apresentara. Mas meu pai falou de Diógenes, O Cínico.

Num daqueles momentos mágicos de inspiração do meu pai, citou o filósofo grego Diógenes de Sínope (412 a.C. - 323 a.C.). Talvez o mais bizarro dos filósofos da antiguidade. Diz-se que seus únicos bens eram um alforje, um bastão e uma tigela, simbolizando o total desapego às coisas do mundo, e que fez de uma pipa sua morada.
Falou então meu pai da existência de um homem chamado Diógenes, que desdenhava os poderosos. Disse que, em certa ocasião, foi abordado por Alexandre, O Grande. Vendo-o maltrapilho, e conhecedor de sua inteligência, perguntou em que poderia ajudá-lo. Como sua presença projetava sombras sobre Diógenes, privando-o dos raios de sol daquele dia, este então falou: "Não me tires o que não podes me dar."

É preciso sonhar para ser feliz. Naquela noite, um tanto por conta do vinho, um tanto por conta da faculdade que tínhamos de divagar sem rumo por assuntos muito além do cotidiano, desatamos a filosofar.

Assim se foi mais uma noite do inverno de 2007, uma noite igual às outras, não fosse o cínico, o pai e suas histórias.

* 2 elevado a 64, menos 1, calcule.

Viagens imaginárias com os tripulantes em torno da mesa de jantar.